A estética Kitsch – entenda melhor

A estética kitsch se popularizou em meados da década de 1930. Suas características trouxeram – e ainda trazem – diversas reflexões. Neste artigo vamos falar um pouco acerca do kitsch, para que você possa entendê-lo melhor para então apreciá-lo – ou não.

O que é o estilo kitsch e quando o kitsch ocorre

O kitsch, antes de mais nada, não é considerado exatamente um estilo como Barroco ou Renascentista. Para entendermos mais sobre ele, é necessário recorrermos a 3 críticos, que o popularizaram lá pela década de 30: Theodor Adorno (1903-1969), Hermann Broch (1886-1951) e Clement Greenberg (1909-1994). Eles o definem por oposição às pesquisas inovadoras da arte moderna e da arte de vanguarda.

Adorno pensa o kitsch baseado no conceito marxista de “falsa consciência”. Ele o localiza lá no seio da indústria da cultura e produção de massas. Já Broch vê o kitsch como um conjunto de imitações e convenções artificiais opostas à arte criativa. Greenberg, por sua vez o define como a arte da cópia e das sensações falsas, além de um estilo que obedece às inúmeras regras acadêmicas.

As características do estilo kitsch

A burguesia foi quem trouxe o kitsch à vida, digamos assim. Antigamente – e hoje também, sejamos sinceros – a riqueza era medida pelo que se via. Uma pessoa precisava, acima de tudo, parecer de fato rica. E isso se media através de mobiliário caro e outros detalhes que aparentassem riqueza.

O Kitsch surge na era das fábricas e indústrias de produção em massa e do mercado consumidor que se extende pelo mundo capitalista. É uma produção “artística” amparada no mercado popular, abrindo alas para a futura Pop Art. E, para aparentar riqueza, surgiram os produtos kitsch, que geralmente eram confeccionados em materiais inferiores que, então, era decorados como se fossem materiais nobres. Nesse sentido, muitos objetos passaram a ser a expressão do termo “parece, mas não é”: a madeira era pintada como se fosse mármore; objetos de zinco recebiam tratamento para parecerem bronze; estátuas de bronze eram pintadas para parecerem de ouro; etc.

Os artifícios da burguesia se traduziam em criar peças com matéria-prima de qualidade considerada inferior e, então, pintá-las ou tratá-las para que parecessem nobres. Os materiais mais utilizados eram gesso, estuque, ferro e zinco. Por isso Greenberg usou o termo “arte das sensações falsas”.

Para que esses materiais “inferiores” parecessem mais rebuscados eram utilizados diversos artifícios, como, por exemplo, ornamentações rebuscadas. Havia também o uso de muitas cores e também a distorção das dimensões de uma figura em relação ao objeto original. Um exemplo disso são cópias em miniatura do Arco do triunfo, da Torre Eiffel, ou um rato gigante em bronze “fake”. Além disso, há uma tendência ao exagero na distribuição dos elementos em uma única composição.

Abraham Moles indica que essa força do kitsch coincidiu com a expansão do mercado. E junto com essa expansão, a necessidade da sociedade de massa de impor normas à produção artística – buscando, prioritariamente por reproduções e cópias para pagar preços mais baixos.

Vanguardas e o kitsch

Diversas produções kitsch incorporam em si elementos de vanguarda – e diversos movimentos de vanguarda se mostram interessados pelo kitsch. Esse interesse se dá, principalmente, pelo modo como o kitsch subverte padrões estéticos, não raro, de forma irônica. Alguns exemplos de como isso acontece é o que Marcel Duchamp (1887-1968) fez com uma reprodução da Gioconda de Leonardo da Vinci (1452-1519), ao colocar bigodinhos nela. Esta “intervenção” faz dela um ready-made retificado, o L.H.O.O.Q., 1919.

Já após a Segunda Guerra Mundial, a Arte Pop chega e retira esse sentido pejorativo que vinha sendo dado ao kitsch. Ao aproximar arte e design conceitual, os artistas pretendem superar as fronteiras que separam arte erudita da arte popular e arte elevada e cultura de massa. Esse movimento a faz flertar diretamente com o kitsch. Um exemplo clássico é a colagem de Richard Hamilton (1922), intitulada O que Exatamente Torna os Lares de Hoje Tão Diferentes, Tão Atraentes?, de  1956.

Uma retrospectiva para entender o kitsch

Para entender melhor este estilo – que muitas vezes parece querer copiar outros – é importante retomarmos um pouco da história. Afinal de contas, tudo que existe hoje, vem de algum lugar no passado.

Comecemos pela Grécia, então. Na arquitetura grega as formas são simples e apreensíveis. A beleza ali se apresenta intuitivamente. Para ser belo, deve ser bom, para ser bom, deve ser funcional. Em essência, toda construção arquitetônica é uma luta diária contra a gravidade. A força da mão humana contra a natureza. Mas mesmo nessa luta há equilíbrio com o meio natural, e não há como dissociá-los. A rigidez da matéria emoldurada pelo calmo azul do céu. Contrastes e equilibrios harmoniosos.

Nas construções clássicas, então, se prioriza a simetria, proporção e forma. Essa bela arquitetura é ordenada por uma série de leis que determinam não apenas proporções matemáticas, mas também a disposição de elementos de forma harmônica e equilibrada.

Além de intuir a relação de rigidez e gravidade, a arquitetura clássica tem um segundo fim: a vinculação da luz. Assim sendo, um prédio se apresenta duplamente belo à luz do sol sob um céu azul. Diferente de outras manifestações artísticas, o arquiteto não expõe o seu olhar sobre algo. Ele manifesta a coisa em si para que o observador contemple por si mesmo e tenha suas próprias sensações.

Um exemplo clássico e atual da aplicação do kitsch

Em confronto direto a essa elaborada concepção de arquitetura clássica como meio de evocação da real beleza, temos vários exemplos de construções que aplicam suas formas, mas não seu propósito. Nesse sentido, um exemplo muito popular são as clássicas lojas Havan. Sua arquitetura se baseia no estilo neoclássico. No entanto, ela não incorpora os seus fundamentos mais profundos. Além disso, nelas vemos outro ícone da cultura moderna: a Estátua da Liberdade.

Estas estátuas, feitas em larga escala, provavelmente por conta de sua grande produção, acaba deixando passar alguns erros de proporção bem como de anatomia. Contudo, a questão é mais profunda. A experiencia estética agregadora dessa construção não se equipara a de seu original, criando, de fato, uma falsa experiência estética. A “arte das sensações falsas”.

Veja bem, não é meu objetivo, de forma alguma, criticar ou me opor à aceitação das obras kitsch. O que pretendo aqui é apresentar o real significado desse estilo e, da mesma forma, questionar o sentido estético de sua apreciação.

Sendo assim, o que realmente importa é saber o que é o kitsch e o que é a obra em sua essência. E, dessa forma, conscientemente, não confundir seus valores. Cada qual dentro de seu juízo de valores.

  

Algumas referências:

Itaú Cultural: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3798/kitsch 

Arquitetura grega: Schopenhauer – Metafísica do Belo. p.136 a 148

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